segunda-feira, 29 de março de 2010

Reposta de Brian Anderson para Revista Época

Sou estudante de medicina na Stanford University e pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (www.neip.info). Não sou membro de qualquer religião ou seita que use a ayahuasca, mas tenho pesquisado este campo de novos movimentos religiosos já há alguns anos e tenho participado dos rituais de diferentes religiões ayahuasqueiras.

Primeiro, parabéns por ter feito uma reportagem com tantos detalhes corretos sobre as diferentes religiões, incluindo as linhas dos diferentes grupos – algo que muitas vezes é descrito de forma inadequada, misturando a UDV com o Daime ou Alto Santo com o Cefluris.

Mas escrevo principalmente para dizer que sou contra esta capa que indaga se “O daime provocou o crime?” O que quer dizer isso? Que a doutrina do Daime apoia a violência? Que o Glauco, o líder local do Daime antes da sua morte, provocou o seu próprio assassinato? Teria sido outra coisa perguntar se as religiões ayahuasqueiras estão suficientemente controladas, ou por si mesmas ou pelo governo – e isso parece ser a pergunta chave no final do artigo -; mas sugerir através desta pergunta se o daime (ou a religião ou a bebida) provocou um homicídio, sem contexto, é um insulto aos milhares de seguidores das várias linhas do Santo Daime que já sofrem demais da marginalização por suas crenças religiosas.

O maior problema não é se os seguidores do Santo Daime vão sentir-se atacados pelo artigo, mas é que o Brasil sofre de uma epidemia do abuso e tráfico de substâncias ilícitas. Esta epidemia só é reforçada quando os grupos que visam usar certas drogas, como o daime, de forma controlada e segura, têm que enfrentar uma mídia popular que vende histórias sensacionalistas sobre o mal que as drogas trazem em vez de qualificar como estas drogas interagem com outros elementos do contexto. Por exemplo, sabemos que substâncias psicodélicas como o daime podem piorar o estado mental dos esquizofrênicos (como o artigo diz), mas eu não vi nenhuma menção ao fato de que é muito comum que os sintomas da esquizofrenia piorem entre os jovens de 18 a 25 anos, sem tomar qualquer substância, especialmente entre jovens cujos parentes têm uma história de distúrbios mentais, como é o caso do Cadu.

Enfim, grato por ter indagado por que a tragédia da morte do Glauco ocorreu e o que talvez possamos fazer para prevenir outro acontecimento assim, mas, na verdade, a matéria não ajudou o enfocar tanto o papel de uma droga num caso tão complexo como esse – que inclui a ausência de uma família orientadora, o uso de outras drogas mas sem evidências que foram usadas ao mesmo tempo em que o daime — como o desafio que muitas destas religiões enfrentam ao saber que se fecham as portas aos que buscam alívio, talvez estejam fechando a última porta que essas pessoas têm.

Sinceramente,

Brian Anderson

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