Entrevista
com Julio da Mata (JM).
O
Repórter (RP) indaga:
RP:
De onde se origina seu nome Julio da Mata?
JM: - Nasci Julio e me tornei da Mata quando passei a morar nela.
Julio é da Mata mas a mata não é de Julio. É de Jura!
RP:
E quem é você?
JM: - Eu não sei por que ainda não me conheço. Mas tenho um protótipo de mim
mesmo em mim. Tenho 62 anos, 22 anos de Santo Daime e 45 anos de Kardecismo.
Ambos me doutrinam para ser uma pessoa melhor. Dirigimos a Casa de Maria Damião
há 17 anos e teríamos muitas histórias para contar.
RP:
Que tipo de histórias?
JM: - De pioneirismo, luta, desafios, ilusões, desilusões, ganhos, perdas,
sorrisos, lágrimas, amores, desamores, uniões e desuniões.
RP:
Nos contaria algumas delas?
JM:- Oportunamente. Por conterem aprendizados detalhados, deixaremos para outra
ocasião.
RP:
Por tudo isto você se acha assim tão especial?
JM: - Sou único e especial. Não há ninguém semelhante a mim em minhas
imperfeições.
RP:
Você sabe o que veio fazer aqui na Terra?
JM: - Eu não! Mas o Mestre sabe e eu vou sabendo a medida que possa entender.
Creio que o Mestre age como um bom trabalhador que vai dando carga ao burro
conforme ele pode carregar.
RP:
Você já se arrependeu de ser um dirigente?
JM: - Muitas vezes. Mas somos dirigentes não porque queremos, mas porque
precisamos. Não obedecemos a um querer, mas sim a um comando de dever.
RP:
Ser um dirigente o fez mudar muito como pessoa?
JM: - Muito! Muito pouco! Bem menos do que gostaria e muito mais do que
esperava.
RP:
O que de melhor você teria para citar?
JM: - Não há um caso em especial. Todos os bons momentos são especiais e acabam
por se unirem ao mar de nossas boas recordações pessoais. Já as más
recordações, estas são distintas porque representam mudanças de roteiro.
RP:
As más recordações não são aprendizados?
JM: - Sim! Mas nem por isso são fáceis de serem ultrapassadas. Como diria a
“Chiquinha”: - Estamos no relho não temos que reclamar...
RP:
O que mais o incomoda neste tempo de direção?
JM: - É a nossa tolice humana. Percebemos que muitas pessoas que se acercam do
Daime têm dificuldade de traçar seus limites pessoais e de reconhecer
autoridades.
E
projetam estas dificuldades como projéteis cujos alvos são eles mesmos
representados em seus dirigentes. Em todas as discordâncias pertinazes e
intensas estará aí disfarçada uma guerra de poder.
E
esta atitude é tola porque se existem pessoas que não têm o poder são
justamente os dirigentes. O que os dirigentes têm em demasia, são dívidas
espirituais e responsabilidades.
RP:
Então quem detém o poder?
JM: - O poder pertence, está e nunca deixou de ser do próprio poder. Então como
poderemos nos opor ao poder que tudo pode?
Mas
se há dirigidos que ambicionam o pressuposto poder dos dirigentes, há
dirigentes que querem o poder para subjugar seus dirigidos.
Os
dirigentes apoderados geralmente desejam quantidade em detrimento da qualidade.
Acreditam que ter mais dirigidos confirmam sua eficácia como dirigentes. O que
não percebem são os que se emaranham numa teia de comprometimento cármico dificilmente
rompível em uma só encarnação.
RP:
Como identificar um bom dirigente?
JM: - Pela clareza de suas ações e pelo quanto ele é um bom comandado.
Principalmente de seu Comandante em chefe, seu Mestre.
RP:
O que é ser um dirigente em uma sessão?
JM: - É canalizar a força do Mestre, que dependendo da necessidade do dirigente
ou do grupo, pode beirar o limite do humanamente suportável.
É
canalizar as energias de baixo teor que necessitam ser transmutadas em uma
sessão, seja dele, de alguém, do grupo ou da própria reunião como um todo.
É
suportar pressões cotidianas de enfrentamentos espirituais entre e durante os
trabalhos que seus dirigidos sequer suspeitam.
RP:
Qual a função de um dirigente?
JM: - É ser um zelador do Daime em todas as suas possibilidades, inclusive pela
sua respeitabilidade. É como ter um cargo de confiança de seu Mestre junto a um
grupo de pessoas que deveriam ajudá-lo em sua falibilidade e amá-lo em seus
acertos. Este grupo sintetiza e reforça o perfil espiritual do dirigente e vice
versa. Não é um título, é uma função executiva que existe enquanto houver
dirigidos em um lugar consagrado a reuniões.
RP:
Quem lhe ensinou a ser um dirigente?
JM: - O Mestre. Só Ele. Sempre Ele e os desafios de lidar com nossos irmãos.
RP:
Você se acha um bom dirigente?
JM: - Neste aspecto, se eu não sei quem sou, não
posso avaliar se sou melhor ou pior. Fazemos o nosso melhor que agrada a uns e
desagrada a outros.
E isto não importa, o que importa é agradarmos ao Mestre.
Entendemos que o novo paradigma de direção está se
formando em função do progresso espiritual das pessoas promovido pelo próprio
Daime. O homem que hoje mira não é o mesmo homem que mirava há cem anos arás.
Os dirigentes que estiverem desatentos a isto estão
se matriculando ao ostracismo e ao esquecimento. Poderemos fazer o que
quisermos com o que tivermos, mas a marcha da ascensão espiritual é inexorável
e não espera por ninguém...
RP: Em outra vida você esperaria ser dirigente
novamente?
JM: - Esperamos ter aprendido toda a lição de uma só vez para não termos que
repeti-la...
RP: Você já se sentiu enganado?
JM: - Muitas vezes pelos outros e até hoje por mim mesmo. Onde haja o elemento
humano haverá o anjo para nascer e as mesmas falhas humanas. Onde se oferece
açúcar teremos formigas...
RP: Mas não devemos suportar nossos irmãos? Eles
não são a nossa luz?
JM: - Sim. E mais: Não devemos cortar o que pudermos desenlaçar, mas não
estamos falando de relacionamentos pessoais. Estamos falando de trabalhos
espirituais.
Tanto quanto possível, devemos ajudar mantendo a
firmeza sem perder a ternura, mas em alguns momentos temos que nos valer da
primeira regra de ouro de uma reunião que determina que “o mais importante para
a reunião é a própria reunião”.
É doloroso, mas em alguns casos devemos optar pela
harmonia da reunião mesmo que isto custe o afastamento de alguns!
Vivemos entre o que o Mestre nos ensina “... que
ele (o irmão) é a minha luz neste mundo de ilusão...” e que o Padrinho nos
canta: “... - Eu te dei uma casa que não falta ninguém para tu escolher aqueles
que te convêm... ”.
A sabedoria está em caminhar entre um limite e
outro, porque a luz também não pode nos cegar!
RP: Com você analisa o estado atual da Doutrina?
JM: - Necessitando de reforma urgente! Da reforma íntima de seus participantes
para que ela se reforme automaticamente. Precisamos nos institucionalizar à
semelhança de outras linhas mais organizadas do que nós Daimistas.
RP: Você supõe que isto seja possível?
JM: - Será possível quando houver entendimento e pontos comuns visando o
interesse único de zelar pela Doutrina. Buscando a perpetuação do Daime
observamos a preocupação de se formar feitores e se cultivar as plantas.
Mas de que adiantará tudo isto se não houver Doutrina legalmente organizada
para ser perpetuada?
RP: Se você pudesse fazer um pedido ao Mestre, qual
seria?
JM: - Não há nada que precise que o Mestre não saiba e que Ele não disponha a
nosso favor conforme nosso merecimento. Pediríamos a Ele apenas desculpas.
RP: Do que?
JM: - Do nosso melhor estar longe do esperado pelo Mestre.
RP: Que sementes você acha que está plantando para
o futuro?
JM: - A de que vale a pena viver plenamente o presente. Ao semeador basta saber
dar conta da semente. A qualidade da flor pertence ao Divino, que é infinito,
fantástico e inexprimível.
RP: Você se julga mais sabedor sobre o Daime do que
a maioria das pessoas?
JM: - Tudo o que sabemos sobre o Daime nos foi ensinado por ele e por ninguém
mais. Acreditamos saber de um tanto de coisas que algumas pessoas ainda não
sabem e podemos contribuir com elas dando-lhes o vislumbre do conhecimento.
O Daime nos ensina de todas as maneiras que podemos
compreender, inclusive pelas experiencia dos outros. Seria estupidez da minha
parte supor que só eu saiba de algumas coisas.
O conhecimento é de todos e para todos. Mas é
preciso que alguém reúna os principais conhecimentos de forma lógica para
compreendermos o tremendo poder que temos para a nossa evolução.
Contudo, temos convicção de que o que conhecemos é
absurdamente insignificante perante o que necessitamos ainda aprender.
E o importante não é o quanto sabemos, mas sim o
que podemos fazer de benéfico com o conhecimento que temos.
RP: Algumas pessoas são contrárias aos
conhecimentos, alguns inéditos, sobre o Daime que você publicou em seu livro
"Mergulho na Luz", alegando que sua fonte não é confiável. O que você
diz?
JM: Esta oposição é natural por se tratar do primeiro livro psicografado sobre
o Santo Daime em todo o mundo. Mas tenho a dizer para aqueles que assim julgam,
que deveriam antes conhecer nosso trabalho para depois fazer uma avaliação
porque se conhece a árvore pelos seus frutos.
A fonte do Livro Mergulho na Luz é o próprio Daime
e eu não conheço fonte mais confiável. Se alguém souber, que me apresente
porque eu gostaria de conhecer também.
No entanto, esta postura contrária é inaceitável
por parte de um autêntico Daimista, pois tudo o que está ali escrito pode ser
comprovado se ele for um verdadeiro buscador e "tomar o Daime para
ver".
Penso estarmos contribuindo com a Doutrina
mostrando muito do que ela tem de belo como um catalizador evolutivo na Linha
do Autoconhecimento, nos proporcionando harmonia e cura em todos os níveis.
Quanto a isso, temos apenas uma certeza: De termos
feito o nosso melhor,
RP: Já outras dizem ser impossível você ter mais de
mil hinos porque mesmo o Astral não teria tanto assim para dizer. O que você
acha disso?
JM: - Tamanha é a nossa necessidade que o Astral talvez precise de um oceano de
hinos para que façamos uma gota de movimento em prol da nossa espiritualização.
Esta quantidade de hinos nos consagra uma medalha
do Daimista mais endividado do mundo porque se eu conseguisse cumprir apenas a
metade do que nos ensinam estes hinos, eu já deveria estar iluminado.
Aos que duvidam, aconselho a tomarem o Daime para
ver. E ouvir!
Deus é luz e a luz é infinita. Se todo o universo é
luz e ele canta, ele é a Luz do Infinito.
Qual é a coisa mais importante que um dirigente
nunca deveria se esquecer?
JM: - De que ele está a serviço do Mestre. E sempre se lembrar de seu
compromisso com a evolução pelo autoconhecimento. Se esquecer disto, ele não
será um dirigente, talvez um mero acompanhante de outros.
RP: E para terminar, quer deixar um alô para os
seus irmãos?
JM: - Sim, dizer que somos todos irmãos.
Aos que são muito irmãos: - Alô!
E aos menos irmãos; - Até!...
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Texto de Julio da Mata
Casa de Maria Damião
Vargem Grande
Rio de Janeiro- Brasil