Os signatários da nota pedem que as autoridades, no cumprimento das determinações legais referentes ao tráfico e usos indevidos de substâncias tóxicas ou entorpecentes, excluam a menção ao daime, vegetal ou ayahuasca.
Em caso de apreensão de ayahuasca, em circunstâncias de transporte ilegal ou outras situações que contrariem as condutas dos segmentos culturais, indígenas ou religiosos, sugerem que seu descarte seja realizado de forma respeitosa, em ambiente natural, de preferência na terra, desassociado de drogas, ou quaisquer outras substâncias ilícitas.
- As doutrinas religiosas constituídas a partir do uso ritual do Daime ou Vegetal tiveram seu reconhecimento público no Estado do Acre e no Brasil em diversas oportunidades – assinalam as entidades.
A nota é assinada por representantes da Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras, Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil, Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour, Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Representação Regional Norte do Ministério da Cultura, Assessoria de Assuntos Indígenas do Governo do Estado do Acre e Instituto Ecumênico Fé e Política.
As entidades dizem que o respeito à diversidade cultural, incluindo crenças, costumes, hábitos e práticas religiosas, é um compromisso da Constituição Federal e da nação brasileira como signatária da Convenção da Diversidade Cultural, firmada no âmbito da Unesco.
O Acre é o berço de fundação da doutrina do Santo Daime, implantada pelo mestre Irineu Serra, maranhense de nascimento, pioneiro na ocupação do território, desde 1912, quando chegou na região e fundou o Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo.
Outro mestre, Daniel Pereira de Matos, também maranhense, veio para o Acre em 1905. Ele fundou outro centro religioso, em 1945. Mestre José Gabriel da Costa, baiano, chegou à Amazônia em 1947 e desenvolveu a União do Vegetal na década de 1950, entre os Estados do Acre e Rondônia.
- Os centros que professam a religiosidade com o Daime e o Vegetal são livres, abertos, frequentados por pessoas e famílias dignas e idôneas, e autoridades públicas. O Daime, Vegetal ou Ayahuasca, sacramento religioso que é parte da nossa cultura, não pode ser confundido com drogas pelo poder público que representa esta sociedade – assinala a nota.
Segundo as entidades, associar drogas ao daime é um desrespeito a inúmeras famílias acreanas e pessoas que têm histórias e testemunhos sobre os benefícios desse sacramento, para a saúde física, mental e espiritual, inclusive em casos de dependência química.
O Blog da Amazônia consultou a Superintendência da Polícia Federal. O delegado Alexandre Silveira disse vai conversar com o superintendente para avaliar se a PF se manifesta ou não a respeito da polêmica.
Nota da Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras
"A propósito de matérias veiculadas na imprensa local, nos dias 28 e 29 de junho deste ano, sobre a incineração de Daime junto a entorpecentes apreendidos pela Polícia Federal no Estado do Acre, vimos a público contestar o equívoco desta prática e esclarecer o que segue:
1. O Daime, Vegetal, Ayahuasca, Cipó, Yagê ou Hoasca é uma bebida sagrada de uso milenar por comunidades indígenas amazônicas e é parte integrante da cultura acreana desde a primeira década do século passado, nos primórdios de sua formação;
2. As doutrinas religiosas constituídas a partir do uso ritual do Daime ou Vegetal tiveram seu reconhecimento público no Estado do Acre e no Brasil em diversas oportunidades, dentre elas:
* Certificado de Reconhecimento da Importância Histórica e Cultural à Madrinha Peregrina Gomes Serra, dignitária do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – CICLU Alto Santo, e a Francisco Hipólito de Araújo Neto, dirigente do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, concedido pelo Governo do Estado do Acre, em solenidade realizada no Palácio Rio Branco, no dia 15 de junho de 2012, por ocasião das comemorações dos 50 anos de Estado do Acre;
* Reconhecimento e homenagens à União do Vegetal – UDV, por ocasião do cinquentenário de sua fundação, em sessões solenes realizadas em vários municípios brasileiros, nas Assembleias Legislativas dos vinte e seis estados da Federação e do Distrito Federal, e no Congresso Nacional, em 2011;
* Título de Cidadão Acreano concedido aos Mestres fundadores das doutrinas tradicionais – Mestre Raimundo Irineu Serra (Alto Santo), Mestre Daniel Pereira de Mattos (Barquinha), Mestre José Gabriel da Costa (União do Vegetal) – pela Assembleia Legislativa do Estado do Acre, em solenidade realizada em abril de 2010;
* Entrega, em 30 de abril de 2008, ao Ministro da Cultura Gilberto Gil, do pedido de Registro do Uso Ritual da Ayahuasca como Patrimônio Imaterial brasileiro, que teve como signatários representantes dos três troncos tradicionais da Ayahuasca, Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour (FEM) e Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil (FGB). Acatado pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, o pedido deu origem ao Inventário, em curso no âmbito do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
* Reconhecimento do Segmento Culturas Ayahuasqueiras, componente da área de Patrimônio Cultural, no âmbito do Cadastro Cultural do Município de Rio Branco – CCM e criação da Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras, do Conselho Municipal de Políticas Culturais – CMPC, no contexto das Leis Nº 1.676/2007 e Nº 1.677/2007, respectivamente Lei do Sistema Municipal de Cultura – SMC e Lei Municipal de Patrimônio Cultural de Rio Branco;
* Tombamento de edificações pertencentes ao CICLU Alto Santo, como patrimônio municipal e estadual e solicitação formal de abertura do processo de Tombamento no âmbito federal, em 2006;
* Criação da Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra (APARIS), no âmbito do município de Rio Branco, em 2005;
* Reconhecimento do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz e do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal – UDV como de Utilidade Pública, estadual e federal, pelos serviços prestados à sociedade;
* Criação do Bairro Irineu Serra em Rio Branco, a partir da comunidade fundada pelo Mestre Irineu em 1945, na antiga Colônia Agrícola Custódio Freire;
3. O respeito à diversidade cultural, incluindo crenças, costumes, hábitos e práticas religiosas, é um compromisso da Constituição Federal e da Nação brasileira como signatária da Convenção da Diversidade Cultural, firmada no âmbito da Unesco;
4. O Estado do Acre é o berço de fundação da Doutrina do Santo Daime, de inspiração divina, replantada pelo Mestre Irineu, maranhense de nascimento e pioneiro na ocupação deste território acreano, desde 1912, quando aqui chegou. Mestre Daniel, também maranhense, veio para o Acre em 1905, e fundou o seu Centro religioso em Rio Branco, no ano de 1945. Mestre Gabriel, baiano, chegou à Amazônia em 1947 e desenvolveu a União do Vegetal na década de 1950, entre os Estados do Acre e Rondônia;
5. Os centros que professam a religiosidade com o Daime e o Vegetal são livres, abertos, frequentados por pessoas e famílias dignas e idôneas, e autoridades públicas. O Daime, Vegetal ou Ayahuasca, sacramento religioso que é parte da nossa cultura, não pode ser confundido com drogas pelo poder público que representa esta sociedade;
6. Associar drogas ao Daime, ou Vegetal, é um desrespeito a inúmeras famílias acreanas e pessoas que têm histórias e testemunhos sobre os benefícios desse sacramento, para a saúde física, mental e espiritual, inclusive em casos de dependência química;
7. As políticas públicas de combate ao tráfico e uso de drogas são recebidas com aplauso e solidariedade pelas comunidades ayahuasqueiras de Rio Branco, que enxergam nas condutas marginais um desagregador de famílias, com prejuízos profundos em especial para a juventude e para toda a sociedade brasileira.
Diante do exposto, e considerando o constrangimento das comunidades ayahuasqueiras pela prática da incineração de seu sacramento, solicitamos às autoridades responsáveis que, no cumprimento das determinações legais referentes ao tráfico e usos indevidos de substâncias tóxicas ou entorpecentes, seja excluída a menção ao Daime, Vegetal ou Ayahuasca. E que, em caso de apreensão de Ayahuasca, em circunstâncias de transporte ilegal ou outras situações que contrariem as condutas dos segmentos culturais, indígenas ou religiosos, seu descarte seja realizado de forma respeitosa, em ambiente natural, de preferência na terra, desassociado de drogas, ou quaisquer outras substâncias ilícitas.
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